segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ciclo


Eu o via virando-se para mim, com uma expressão que não revelava de fato preocupação. Era uma face neutra, caracterizada por seu mais conhecido personagem. Foi ele que tive em minha companhia nos primeiros anos em que conheci Todd, aquele rapaz desajustado de roupas escuras, espinhas que entregavam sua idade e um cabelo pouco menos bagunçado que meu quarto nos domingos de manha, que agora olhava-me através da alma. Eu, junto com as outras pessoas da aula, pensava que Todd era um mais um esquisito, perdido no meio do mundo, com uma falta de vida contagiosa. Revezávamos todos os dias quem teria de sentar a seu lado. Foi em uma das minhas vezes que acabei tendo que ser sua dupla para um trabalho de análises históricas. Pânico: essa foi minha primeira sensação após a professora entregar-nos os temas. Enquanto minhas amigas matavam-se de rir por dentro eu me via sendo afogada em um poço que se estendia a metros da superfície. Era praticamente impossível não sentir meu desgosto por imaginar as próximas semanas tendo de trabalhar com ele, mas ainda assim ele se manteve estável, indiferente a qualquer palavra expelida ou receio sentido.  
Dou um passo à frente, o que o força a fazer o mesmo. Não dizemos nada. Não há porque estragar o momento com palavras ou quebras de ar. A eletricidade dos olhos fala mais que qualquer batimento em seu coração. É assim de repente eu sinto o personagem saindo e dando as costas para ele. Não há uma mudança em sua expressão, mas fica claro que agora eu estou de frente com seu interior, o Todd que se apresentou para mim três anos após nossa primeira conversa.


Eu sentia seu corpo com meus braços a seu redor. Analisava cada centímetro e encostava com o meu rosto a sua pele que sempre me lembravam pêssegos. Não creio que ela faça ideia da tamanha eternidade que vamos passar um longe do outro. Chegava agora o ponto onde a vida dela realmente começava e a minha acabava. Depois de tantos anos convivendo com ela era ao menos impossível acostumar-se com a ideia do meu dia-a-dia sem que ela não estivesse batendo em minha porta como uma pequena garotinha chamando seu vizinho para brincar. O fato é que com o passar dos anos tornei-me muito vulnerável a ela, de uma maneira que eu não imaginava ser capaz.
Desfazemos o abraço com a emoção de alguém que desenlaça os cadarços no fim de um longo dia ao chegar em casa. Enquanto tenho a certeza de que sua mente se preenche de nervosismo e entusiasmo pelo que está por vir, eu tiro estes milésimos para olhar para o passado. Eu mantinha uma raiva dela com o passar do tempo, por ter se transformado em algo tão importante para mim. Mantenho uma raiva minha por em certos momentos não haver lhe dito quanta sorte eu acreditava ter por haver encontrado alguém como ela ou por em outros momentos haver dito isso demais, assim entro eu nesse ciclo de insatisfação e sentimento mal balanceado. Odeio lembrar, lembrar é ruim. Eu não vivo momentos ruins, apenas lembro deles, e vivo os bons, mas minha mente não me permite lembra-los. Era por esse motivo que eu procurava sempre estar junto dela. Para que eu não me consumisse em infelicidade e me deixasse levar pelo seu toque, pelo tom da sua voz, que era tão doce quanto as nuvens atiradas no céu da primavera.  Enquanto nossos momentos fossem como o pólen que voava no ar, eu não sentia mais nada, me era descarregada a mochila e só havia leveza em meus ombros.
Está na sua hora de partir. Eu me viro de costas e dou três passos, ou foram 4? Ela então chama meu nome.

PS: Eu apenas estava no meio do escuro com o computador e resolvi fazer um pequeno teste. Sem uma história na cabeça essas palavras foram surgindo pausadamente na tela. Não tem um propósito, apenas um ensaio.                                         -Nick

Um comentário:

  1. Esta meio Glauber Rocha, embora a frase não seja dele, mas todo mundo pensa que é " uma idéia na cabeça e uma câmara na mão" . Mas atualizando no tempo seria " uma idéia na cabeça e um computador ligado na mão".

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