segunda-feira, 26 de maio de 2014

Pelo meu olhar


Eu sei como todos vão reprovar as minhas ações e lágrimas de culpa e de vergonha serão derramadas pela manha, mas também sei que no fundo todos terão um certo alívio e que eu estarei livrando todos de uma situação muito pior. Haverão aqueles que falaram sobre isso em um tom estúpido dizendo que eu não tive os “culhões” de encarar a situação. Que eu exagerei, que minha situação não tinha relevância nenhuma. Porém eu já posso confirmar que eles não conhecem a realidade de estar desesperadamente apaixonado e é exatamente a minha falta literal de “culhões” que torna este amor inconsolável impossível.
  Eu não vou me dar ao trabalho de explicar a minha breve história, de como eu nasci pensando em alemão e como todos a minha volta me explicavam que eu deveria pensar em latim. De como eu era o Omega em uma terra repleta de Alfas e Betas. De como meu pai, do observador que ele é, descobriu tudo logo de cara e me julgou no momento seguinte. Eu não entro em detalhes de momentos específicos de brigas, preconceitos, de todas as escolas e até cidades pelas quais eu fiquei pulando como uma menina jogando amarelinha porque eu nunca prestei muita atenção. Eu sempre ignorei tudo que podia como se esse dom pudesse ser orquestrado. Eu sempre soube que o momento em que abriam a boca pra mim nenhum comentário era feito esperando uma resposta ou opinião minha, todos os julgamentos e esporros que eu recebi já eram delatados pelo olhar que as pessoas me davam nos segundos antes de colocados em ação. Eu simplesmente ignorava tudo a minha volta. Cada piada, cada comentário nos corredores e boato que fosse inventado eu fui ficando cada vez mais longe. E por mais que eu me pergunte porque a mediocridade de todos vocês é tão grande e de como vocês esperavam algo que não fosse o silêncio de alguém que todos as noites sonhava com o dia em que os silenciados fossem vocês, eu não vim aqui gerar mais discórdia. Porque apesar de tudo isso que recebi, eu sempre continuei acordando. O foco de tudo isto é outro. 
  Isso é sobre você Cristina. Assim como qualquer coisa que eu tenha presenciado depois de te conhecer foi e como tudo vai ser até daqui a pouco onde não vão existir mais momentos meus a serem presenciados. Eu perdi a conta dos dias a muito tempo atrás, mas eu me lembro bem de quando eu te vi pela primeira vez. Quando você primeiro chegou a escola, usando aquele suéter vermelho uns três números maior que o seu, com uma expressão de inocência no rosto, talvez com medo daquela nova escola. Eu fui guiada automaticamente na sua direção, mesmo sem ter o que dizer, mesmo que eu estivesse naquela escola à apenas um ou dois messes amais do que você e não tinha como me oferecer pra te mostrar as salas porque acabaríamos perdidas. Cheguei até você e te disse oi, você sorriu, eu queria me afogar entre seus lábios abrindo. Eu queria me perder com você onde fosse e que ficássemos grudadas e nunca encontrássemos a saída. Você se apresentou e eu menti dizendo que podia te levar até a coordenadoria, seja lá onde fosse. Eu sabia que a escola inteira havia congelado, primeiro pelo fato de você haver entrado e segundo por aquelas serem as primeiras palavras que todos realmente ouviam sair da minha boca. Quando por algum acaso chegamos aonde você precisava eu pude ver que você iria ter 3 aulas comigo, como se fosse destinado a acontecer. Pela primeira vez eu senti que alguma sorte havia chegado pra mim, que eu lá estava o universo me apresentando alguém que eu não iria precisar ignorar como todos os outros e finalmente meus ouvidos iriam ser utilizados para algo além de transportar as músicas da Laura Love para o meu cérebro. Nós passamos o intervalo juntas, explicando uma pra outra de onde éramos, o que queríamos fazer, eu não sabia direito o que responder porque o futuro sempre me pareceu tão incerto quanto o passado e eu não queria dizer nada que fosse entrar em discordância com algum caminho que você tinha planejado para sua vida. Aquilo era um abuso do universo, era o destino brincando com a minha cara, não havia nada em você que não fosse surpreendente e espetacular, não havia nada que houvesse marcado algo na minha vida que você já não conhecesse ou achasse incrível também. Você conhecia Intriga e Amor e sabia que foi escrita por Schiller, e por mais geeky que isso soe, foi ai que eu senti que meu coração iria pular pela minha garganta. Parecia que quando você se bastava de palavras, eram as mais belas citações que tomavam conta das nossas conversas. Você deve ter sentido algo assim, era um sentimento forte demais entre nós pra você não sentir, mesmo que não fosse na mesma intensidade você deve ter sentido, tenho certeza que sim.
  Eu te acompanhei pra casa todos os outros dias da semana, com a desculpa de que eu tinha que visitar meu pai no trabalho, mesmo que ele estivesse de licença e nós vivêssemos em outro bairro. Foi simples e natural compreender que você era a única pessoa capaz de me dessecar por completo e me preencher de algo que não fosse indiferença. Que você é feita pra mim e insubstituível, nesta vida e em todas que estão por seguir. Estava tão cega de fascínio que nem me preocupei com o fato de você ter uma certa diferença de mim. Não tinha me dado ao trabalho de pensar que o “nós” que você via poderia ser diferente do meu.
  O lance é que, como eu disse no começo, eu sempre soube, nunca descobri nada, foi inerente a qualquer outro aspecto inato do meu ser, veio com os sentidos, as primeiras palavras, a falta do “latim” no meu pensamento. Talvez eu fosse a típica Tomboy e não me lembre, por tanta revolta que isso gerou na minha própria casa eu me afastei de qualquer coisa que fosse me causar desconforto. Uns chamam de trauma, chame do que quiser. Nunca fui atrás de gente como eu, por mais que existem muito mais do que qualquer um possa imaginar e acabei sempre recusando os pedidos que chegaram em mim por nunca achar que valiam o esforço de sair da inércia de indiferença que eu tinha com o mundo. Sempre estive bem o suficiente sozinha até imaginar uma vida com você. Uma vida sem dias ruins, acompanhados com trocas de olhares matinais, palavras de amor pela tarde e abafadores conclusivos ao anoitecer. Como eu te desejo tanto aqui comigo. 
  Enfim... foi ai que a realidade despencou em cima de mim. De repente comecei a perceber que você tinha uma leve diferença de mim, que você preferia....falar “latim”, que por mais raros que fossem os garotos que te impressionassem, eles ainda existiam. Eu me lembro bem do meu pânico, de pensar que todos os momentos que eu visualizei nós duas juntas foram apenas miragens e não visões do futuro. Houve aquele dia em que você me convidou para dormir na sua casa e eu tive de dizer que estava passando mal e sair de lá no meio da noite só porque eu não ia me conter e acabar fazendo alguma coisa se eu continuasse na mesma cama que você por mais alguns minutos. Sei que eu poderia ter tentado, que eu deveria ter falado alguma coisa, mas eu sabia que não conseguir suportar você falando pra mim que isso não ia acontecer, que seus interesses eram outros. Ia ser demais pra mim e eu não gostaria de sair daqui com essa visão ruim.Você não iria mudar, você já é perfeita demais assim, e eu infelizmente não consigo mudar também. Por tanto escolhi sair daqui com um sorriso no rosto, sem alguma coisa pra borrar as lindas visões que eu tenho de nós duas, juntas pra sempre...


- Hoje morreu uma garota da minha escola. Uma amiga, se é que posso dizer, nos conhecíamos faz só dois messes, não é muito. Natália era o nome dela. Nós nos divertimos bastante, ela parecia alegre quando conversávamos e foi a primeira pessoa a me receber nesta nova escola. Não era difícil de perceber que ela não tinha outros amigos e que provavelmente ela só foi gentil comigo para talvez sair dessa solidão. Ainda assim era divertido as vezes. Ela falava de milhares de coisas, bandas e livros que eu nunca tinha ouvido falar mas entrava na conversa e consentia com tudo que ela falava por pura vergonha de admitir que eu não conhecia nada daquilo. O que ela mais gostava era uma peça alemã....acho que era amor e.... não me lembro, algo do Goethe. Natália sempre ficava calada e desconfortável quando outra pessoa vinha falar comigo, era meio chato, todos percebiam isso. Isso só foi aumentando os boatos que falavam sobre ela, eram coisas bem estranhas, não sei se alguma delas era verdade. Parecia que ela vestia uma máscara no dia-a-dia e que uma hora ela ia acabar caindo e ia explodir, talvez isso que tenha acontecido, ela se suicidou. Pelo menos ela não fez nenhum escândalo antes disso.  Só teria comprovado todos os boatos.            
                                      
                                                                                          - Nick.