quarta-feira, 29 de maio de 2013

Espaço Tempo Finito

Era uma Quarta-feira, chovia muito.
Lucas entra em casa, cabisbaixo. Como se o apartamento não lhe pertencesse. Vai até o telefone e checa se há alguma mensagem. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda faz isso. Lucas solta sua maleta na mesa e se deita no sofá. Ele é desconfortável. Uma peça que o incomoda há muito tempo, mas não é como se seu trabalho estivesse indo bem o suficiente para dar-se ao luxo de consertar esse problema que parecia miserável comparado aos os outros.

Vamos recomeçar. Ele estava tendo um dia ruim. Não é como se sua vida inteira houvesse sido um desperdício, o que não significa que se pudesse ressaltar algo de magnífico.
Após meia hora, Lucas levanta do sofá e vai até a geladeira.
Vazia. Freezer então.
Esse continha duas lasanhas quatro queijos de uma marca tão conhecida quanto o nome daquela parte de plástico no final do cadarço. Ele coloca uma deles para esquentar. O micro-ondas mostram que são 21:22 e ele sente uma pontada no coração. Foi algo passageiro, nada que não fosse normal ou que nunca houvesse acontecido antes.

A lasanha fica pronta e ele começa a comê-la. Tenta se lembrar de quando foi a última vez que comeu algo decente.
Não consegue.
O pensamento de que esta miserável noite esta acontecendo apenas por ser o meio da semana passa pela sua mente, mas no fundo ele sabe que se fosse sexta ou sábado estaria acontecendo provavelmente a mesma coisa. Ele termina e vai para o quarto. Liga o computador e se alivia um pouco.
Não ajuda.

Ele deita na cama e demora até conseguir dormir. Até não pensar em mais nada.
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Era uma Quarta-feira, um típico dia de primavera. Não estava nem muito frio, nem muito quente. Havia uma brisa gostosa que circulava pelo ar.
Lucas e Irene entram em casa. Os dois carregam compras e ajeitam tudo na cozinha. Ela lhe conta como foi seu dia; como sua companheira Luisa estava indo no seu novo namoro; sobre o cliente Sul-africano que fez sua visita semestral e como ela estava com vontade de ir jantar na costa no final de semana, como eles fizeram a dois meses atrás. Lucas sorri. Conta como havia sido um dia normal na empresa. Os projetos estavam no prazo, mas seu colega Gustavo havia ficado doente esta semana, então ninguém poderia se dar ao luxo de deixar algo escapar até que ele voltasse. Ele já havia telefonado e desejado melhoras.

Juntos preparam o jantar. Algo simples, já que é apenas o meio da semana.
Assim que eles terminam Irene liga a Tv e se ajeita no sofá para ver a novela. Ela o chama, mas ele responde que precisa responder alguns E-mails antes.

Lucas vai para o quarto. Checa os nove novos E-mails que recebeu. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda faz isso. Vê o horário no computador. 21:22. Ele sente uma pontada no coração. Estranha. Nada sério, porém que incomodou. Havia feito seus exames quatro messes atrás, não tinha muito com o que se preocupar.
Volta para a sala e assiste o resto da novela com Irene. Ela termina e eles assistem a um filme que estava passando em outro canal. Aparecem os créditos e os dois vão logo dormir. É mais um dia pela frente amanha. 
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É uma Quarta-feira, está frio. Apesar do clima tranquilo das outras semanas, esta veio com uma frente fria que, segundo os jornais, iria durar até Domingo.
Lucas escuta a briga entre o casal que mora no apartamento a sua frente antes de entrar. “Deve ser a semana para isso”, ele pensa enquanto entra em casa rapidamente. Fecha a porta e da um longo suspiro, mas o ar parece gasto. A casa não parece muito feliz em recebê-lo. É exatamente ao entrar que ele se pergunta o que faz ali. Tudo o lembra dela. As paredes. A mesa de jantar. As cortinas e até os porta-retratos com fotos em que ela não aparece. Objetos que ele havia adquirido muito antes de conhecê-la, agora se encontravam impregnados.

Ele se arrasta lentamente pela parede até sentar no chão. Sente como se estivesse caindo infinitamente num poço. Um lugar que, se fosse possível, ia ficando mais e mais escuro a cada metro que adentrava. Ele se sentia destruído, abalado. Nunca antes tivera uma relação tão sólida ou um término tão destrutivo. Ele não gostava de pensar que amar é um problema quando não se é recompensado. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda pensa assim. Carol fazia muita falta. Haviam se passado apenas três dias, mas eles foram o suficiente para mostrar que a partida era para sempre.
Seu celular começa a tocar. É André, seu grande amigo, ligando provavelmente para chama-lo para sair no meio da semana, apenas para coloca-lo para cima. André é um bom amigo com boas intenções, mas Lucas não se da ao trabalho de atender. Ele desliga o telefone e deita por completo no chão. O poço é interminável.

Já esta na hora que ele costuma jantar, mas só de pensar em mover-se já lhe traz um enjoo. Ele começa a sentir mais frio. Olha para o relógio para ver quanto tempo se passou dessa atuação adolescente que ele vinha efetuando. São 21:22. Ele então sente uma pontada no coração. Parece muito pior do que realmente pode ser. Morrer agora simplesmente iria fazê-lo chegar no fundo daquele poço.
Ele se levanta, esquece todo o trabalho que tem pendente e vai direto para a cama. Ter pesadelos de como o dia de amanha será exatamente igual.  
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Era uma Quarta-feira, estava abafado. Era de longe o dia mais quente da semana, talvez do mês.
Lucas chega em casa suando um pouco. Abre as janelas, mas arrepende-se e logo as fecha. Senta no sofá e vê seu gato. Melhor, o gato de Maria. Ele sempre parecia estar à espreita. Como se gravasse tudo que via e ouvia naquela casa para então entregar um resumo a uma agência de espionagem.  Ele não tinha problemas com o gato. Preferia cachorros, como os que tivera na sua infância, mas sabia que eles requeriam mais responsabilidade. O gato, naturalmente, sabia se virar e conhecia a casa até melhor do que ele. Nunca incomodava. Não havia porque criar problema.

No momento em que ele se levanta para ir até a geladeira, Maria abre a porta. Ela está usando um vestido florido, vermelho com branco, que comprara dois meses atrás. Maria era uma mulher tão sexy que na sua presença, era como se o coração e a visão de Lucas não fossem aguentar tanto e teriam de explodir.  Ela mantinha aquele charme inconfundível independente da roupa, ou da ausência dela. Ela entra e lhe da um beijo. Pergunta brevemente como foram essas últimas horas, já que eles haviam almoçado juntos, e fala que trouxe sushi para jantarem. “Nada melhor nesse calor”. Ele se alegra com essa notícia e juntos se sentam para comer.

Maria fala sobre os novos materiais que chegaram para sua loja e ele já programa ajudá-la com isso na Sexta-feira. O sushi está delicioso. É de um restaurante no final da rua que tem um preço ótimo e uma qualidade que não se pode contra argumentar.

Assim que terminam eles vão ao Sofá. Maria lhe da um beijo. Os hormônios no ar são esquentados pelo abafo que já se encontravam. Lucas percebe o gato, mais uma vez o encarando. Ele levanta Maria em seus braços e a leva ao quarto. Apaga as luzes. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda faz isso. Lucas tira sua camiseta e ambos se deitam. A emoção progride, beijos calorosos por tudo, até que ele sente uma pontada no coração. Obriga-se a parar. Maria pergunta se está tudo bem. Ele diz que sim. Foi apenas um susto. Nada com que devesse se preocupar tanto. Vê a luz azul vinda de seu relógio na estante, que é a única coisa iluminada no quarto. São 21:22. Ele ignora o que quer que tenha sido e volta para ela. Os dois se entregam ao momento. Mais quente que aqueles lençóis, apenas o Sol.
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Era Quarta-feira, e estava apenas um pouco nublado. Nada de chuva, nem sequer muito frio.
Lucas entra em casa um pouco apressado. Abre a porta e corre para o banheiro. Efetua suas necessidades e então, já mais relaxado, se olha no espelho. Está com grandes olheiras. Havia trabalhado muito na última semana. Os prazos haviam se apertado e parece que tudo tinha se programado para ser entregue no final da semana. Nada impossível, só cansativo. Mais um par de dias trabalhando e tudo estaria bem. Passa uma água no rosto e vai em direção à cozinha.

Havia sobras do jantar de ontem que ainda tinham uma cara muito boa. Ele põe tudo no micro-ondas e, na espera, olha no freezer se ainda existe um pouco de sorvete para sua sobremesa. Mesmo sozinho, Lucas gostava de ter uma refeição até que completa. Ele era um dos poucos seres humanos que se preocupava com isso. Termina sua refeição e parte para o sorvete, até que sua campainha toca. Ele vai em direção à porta e mesmo já tendo quase certeza de quem é, pergunta.

“Sou eu, Lucas” diz Alina com uma voz muito triste. “Alina eu estou muito ocupado trabalhando, você precisa de algo?” “Eu só quero conversar” “Eu não tenho tempo agora, sério mesmo”, diz ele normalmente. Então ela começa a chorar. Ao ouvir os soluços, Lucas fita o chão com um sentimento repreensivo. Ele não deveria abrir a porta, mas não pode deixar alguém para fora naquela situação, independente de quem seja.
Alina entra e está com o rosto todo vermelho e inchado. Ela o abraça. Ele fica sem ação. “Calma”. Ele a leva em direção à cozinha e lhe oferece um copo de água. Ela aceita e enquanto bebe, vai se acalmando. “O que aconteceu?”. Ele realmente não se interessava, e não havia pergunta a ser feita. Ela agora passaria um bom tempo explicando algo tão simples como escrever seu nome em água. Começou o discurso de como ela não poderia mais viver assim, como ela precisava dele novamente, porque sozinha ela não estava conseguindo lidar e a vida era uma merda se empilhando por cima da outra. Alina estava tendo mais uma crise de depressão.

Alina na verdade era uma pessoa que tinha a vida como crise. Depressão é apenas uma palavra simples demais para descrever tudo que acontecia. “Alina. Você tem que superar isso, já tivemos essa conversa milhares e milhares de vezes. Já fazem cinco meses e você ainda assim continua batendo nas mesmas teclas. Nós não vamos voltar, desculpa. Não funcionamos, já deixamos isso bem claro. Já te levei a vários lugares para ter ajuda e lá você finge que quem tem algum problema sou eu. Parece que você gosta de fazer isso só para voltar. Já deu. Eu preciso trabalhar hoje.” “É que eu te amo!”, interrompe ela chorando mais do que no começo, parecendo que num daqueles soluços ela morreria. “Não diga isso. Você sabe que não é verdade, Alina. Chega.”, diz Lucas calmamente querendo encerrar a cena que iniciava. “Você não...”.

Então seu celular começa a tocar. É seu chefe e ele prometera ficar disponível a qualquer hora na semana por causa dos prazos apertados. Era obrigado a atender. Olha para ela tentando convencer “É urgente, já vou desligar”, e vai para a sala.
“Oi Mathias. Eu estou num péssimo momento agora, retorno a ligação em dez minutos e então posso resolver o que for. Se forem as tabelas, já vai me mandando por E-mail”, e desliga. Curto, porém educado.
Ele volta para a cozinha e vê Alina de cabeça para baixo. Aproxima-se e ela avança para lhe dar um beijo. Ele recua e grita para que ela se afaste. Ela avança chorando e então Lucas sente uma pontada no coração.

É algo sério.
Ela recua.

Ele vê sua faca de cozinha cravada perfeitamente entre as costelas. Sua boca se preenche com o gosto de sangue. Ele a vê chorando e gritando, mas a cada segundo sente que o volume está mais baixo. Ele vai para o chão. Soluça e cospe sangue. Faz questão de sujar as próprias mãos. Os gritos de Alina, por mais que irrelevantes aos ouvidos de Lucas, são capazes de acordar o condomínio inteiro. Ele sente frio e uma neblina invade sua visão.
Tudo vai ficando distante.

As paredes.
A vida.
Seu corpo cada vez mais e mais distante...

Eram 21:23 de uma Quarta-feira nublada em que, agora, chovia. 
                                                                                                   -Nick.

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