De quando um você tira dois, que com mais meio ainda
assim da zero. Digamos que eu estivesse lá. Aceitemos a hipótese de que a arte
da ocasião pendeu para o lado que vocês já imaginam. Vocês realmente acham que
eu, eu mesmo seria a pessoa escolhida para participar de infortunada situação?
- Do que você está falando? O que aconteceu depois que
todos saíram da festa?
- Hahaha. Estou só brincando com vocês. Já vou continuar
a história.
“Faltava em torno
de uma hora para que uma quantidade considerável de pessoas chegasse à casa da
Tati. Eu odeio ser uma das primeiras pessoas a chegar, me traz uma sensação de
desconforto descomunal.”
- Você passou a
tarde lá com seis pessoas e a Tati.
- Eu sei! Não me interrompam, estava preparando vocês
para o contexto.
“A sensação era um tanto parecida. Eu já estava no local
e eu já a tinha visto falando com a Tati e algumas outras pessoas diversas
vezes. Mas, foi engraçado perceber depois que sua presença não havia sido
sentida por mim. Ela sentava, ria, encarava e se mexia. Era tudo tão bonito,
tudo tão simplesmente simples.”
- Vá direto ao ponto. Já sabemos onde isso vai dar.
- Vocês não tem a menor noção. Quando a festa começou, eu
estava no andar de cima conversando com meus colegas da natação. Aquilo levou
um bom tempo para se concluir e não foi uma conversa que tenha me agregado
muita coisa. Eu desci, sem a menor das expectativas de fazer com que a festa
fosse valer a pena ou de me divertir. Não era nem mais, nem menos. Foi nessa
descida que eu a vi: de pé, de frente para a pequena mesinha brega de vidro,
dando as costas para tudo.
“Eu não me lembro ao certo como cheguei à parte que irei
agora contar. Acho que me desliguei e me tornei um mero personagem que seguia um
script cravado no meu subconsciente. Sei que parece estranho, mas, se esforcem em
acreditar. Fui em direção àquela menina, que não mais sentava, ria, encarava e
se mexia. Ela estava outra. Em nenhum outro dos milhares de dias que eu a havia
visto antes eu me lembro dela ser aquela que ela era naquele momento... Que
coisa gostosa!
- Obrigado, minha mãe que fez. Foco! Continue...
- Certamente. Quando me aproximei, ela me olhou através
de seus negros olhos e eu a fitei com uma sinceridade a qual não sou capaz de
reproduzir. Ainda mantendo o script, começamos a compartilhar frases que nunca
haviam sido proferidas antes. Ela havia decorado suas falas e eu as minhas, sem
contar que nosso timing estava perfeito. Nós sentamos no sofá que estava ao
nosso lado e mantivemos aquela encenação por mais umas três ou quatro palavras,
até que ela agarrou meu braço, com medo. Foi aí que eu lembrei com quem eu
estava falando e a da situação que acabaria ocorrendo: aquela menina tinha medo
de gente.
- Sem extras. Pule para o final.
- Não posso perder esta chance.
Ela então soltou o meu braço para novamente agarrá-lo. Como
ela tinha medo de gente! Olhamos um para o outro e lentamente fomos deitando no
sofá, tão perdidos no que quer que fosse o momento. Nós acabamos
desconsiderando as duas outras meninas que ali estavam sentadas. Ela olhou para
as duas e pediu que ambas se retirassem, já que tomaria parte um acontecimento
de importância estelar e precisávamos consertar as variáveis: palavras fortes
para alguém que sempre tivera medo de pessoas. As meninas se retiraram com um
rosto desaprovador, que não poderíamos ter ignorado mais.
Estávamos completamente no Sofá, quando vi a garota que
havia tomado o corpo daquela menina que tinha medo de pessoas.
- Já entendemos essa parte.
- Creio que ainda não fui claro ao quanto medo de pessoas
aquela menina tinha.
Então aconteceu: não havia mais diferença entre uma e
outra pessoa. Estávamos juntos e aquilo não poderia ser mais certo. Eu estava
feito, completo. Cada centímetro do mundo tinha seu lugar.
Não foi a festa inteira assim, por partes levantei e
tomei um ar, falei com poucas pessoas e, mesmo que eu não me sentisse culpado,
eu falei com Tati porque não queria ser inconveniente. Foi então que eles
chegaram.
- Finalmente.
Todos viram de longe aquele exato carro, tocando aquele exato
som. E todos suaram frio. A música foi desligada e a porta dos fundos foi
tomada por uma superlotação inesperada. Segurei a mão dela com toda minha força.
Depois procura-la por anos, nos quais ela se escondeu atrás daquela menina que
tinha medo de gente, não poderia perdê-la agora. Havia uma janela de um quarto
no primeiro andar que poucos deveriam saber da existência. Seria fácil pular.
Entramos no quarto e nos deparamos com dois rapazes que foram tomados de
surpresa quando eu entendi a situação.
Um deles era muito parecido com Bruce Springsteen, já o
outro eu creio que era o intercambista da sala 23. Gritei para que eles saíssem
logo pela janela conosco, o tempo estava correndo. Passamos pela janela e subimos
pelo morro de trás da casa. Algumas pessoas iam para a mesma direção que nós,
outros apenas corriam para o outro canto do planeta almejando por segurança.
Já fazia alguns minutos que estávamos correndo, então
pensamos que já estávamos seguros ali. Os rapazes sentaram-se a alguns metros
de nós e terminaram o que haviam começado. Eu só conseguia segurar sua delicada
mão. Comecei a sentir um cheiro de queimado: era o telhado. Ah, pobre Tati...
Creio que nem ela se importava muito, já que estávamos
ali, um com o outro, dali pra frente para sempre, movidos pela vontade de
existir.
- E vocês ficaram ali, vendo a casa queimar? Qual é o seu
problema?
- Ela estava linda.
- Nick