Eram 23h37min. Não estava frio, mas de tempos em tempos
passava uma brisa que penetrava na minha alma. Eu poderia estar dormindo, é
sábado, mas ao invés disso eu estou preso neste cemitério. Um lugar que me
incomoda, para impressionar uma garota que não me agrada, pela insistência de
amigos que eu desgosto.
Estávamos vagando pelos arredores da cidade havia umas duas
horas. Tudo era pra ser apenas mais uma noite em que esses adolescentes de
mente mal desenvolvida iriam danificar alguns bens públicos, beber até não
sentir o próprio rosto e achar que tem o universo todo aos seus pés. Se não
fosse por um deles ter dado a incrível ideia de visitar um cemitério no meio da
noite. Obrigado a dois adolescentes despreocupados nos anos 90 por trazerem
este exímio exemplar de ser humano à vida.
Fico tentando imaginar algo que tenha um tamanho
proporcional a sua mediocridade. Bill murmura alguma piada de duplo sentido pra
mim e faz com que todos comecem a rir. Por que você não explode Bill? Por que
você não simplesmente desaparece com o poder da minha mente? Eu poderia gritar
isso na cara dele, eu poderia avançar em todos que seus lentos reflexos não me
alcançariam. Poderia até sair correndo pra casa e provavelmente ser
sequestrado, mas ao invés disso, eu simplesmente dou uma risada leve, não
curta, leve.
São 23h29min. Meu relógio só pode estar de brincadeira comigo.
Tasha começa a vomitar perto de um portão. É-me indiferente. Ela sempre é a
primeira, mas devo admitir que desta vez seu ápice foi alcançado com mais
rapidez que as outras vezes. Todos ficam rindo enquanto ela bota pra fora toda
a angústia que secretamente eles carregam. Angústia, ou simplesmente sua última
refeição. Difícil saber. Que nome horrível.
Alguns minutos passam, menos do que eu gostaria, até que
chegamos à parte com as sepulturas interessantes. Estátuas de figuras que
alternavam entre anjos e demônios. Minha sincera opinião: É um cemitério legal,
é daqueles que você vê nos filmes, a diferença é que as estátuas não estavam em
uma grande batalha ou nos arrastando para o inferno.
Eu sabia que a noite iria acabar e que eu poderia ir para
casa, só que mesmo assim a angústia de estar naquela situação superava qualquer
certeza. Sentamos no chão formando um circulo onde todos, sob efeito do álcool,
começaram a falar suas descobertas redundantes. Aquela cena era tão ridícula
que me eu sentia um câncer crescendo dentro de mim. Alastrando-se pelo pouco
bom senso que me restava. Afinal de contas, eu estava ali, não estava?
E ali estávamos todos sentados, eles jogando aquelas
palavras desenfreadas pra fora, eu ouvindo até imaginar meus ouvidos sangrando,
quando Jeanne (a garota gótica e magricela que tentaram jogar para cima de mim
porque ela tem algum desejo incansável de atirar-se em garotos aparentemente “quietos”)
começou a rir, mas eu digo rir mesmo. Passou a rir tanto que eu não aguentava
mais e minha cabeça ia fazer-se em pedaços. Uma risada tão bizarra que até o
subconsciente dos outros os fez acordar, mesmo que por uns segundos para tentar
entender o que estava acontecendo. Ela continuou rindo e rindo, até soluçar e voltar
a rir. Rir tanto que o ar não tinha mais tempo nem espaço de entrar em seus
pulmões. Ela riu até não poder rir mais, nem nada mais. Ela agora estava
estirada no chão com aquele sorriso diabolicamente perturbador enquanto todos a
encaravam, eu esperava que ela fosse acordar e voltar a rir... Esperei e fui
decepcionado. Minha respiração começou a ficar ofegante, Lina e Tasha começaram
a gritar e chorar, Todd estava muito além da consciência pra entender a
situação, Bill começou a gritar com as gurias. Por uma fração de segundo, eu
senti uma espécie de medo que não conhecia. Ficamos todos de pé e perguntas
óbvias, gritos e ideias foram sendo expelidas por cada um. Tudo tinha uma redundância
tão grande que a raiva que eu sentia com aquelas pessoas só foi voltando. Checam
o pulso inexistente de Jeanne enquanto eu tento não olhar para aquele sorriso,
aquele sorriso que começava a ser esculpido na minha mente e eu provavelmente
nunca iria esquecer. As garotas continuavam a chorar até que Todd, que parecia
haver chegado à situação deu a ideia de que a enterrássemos. Era um cemitério,
ninguém iria procurar lá, é só mais uma sepultura no meio de milhares. Havia pás
e bastante espaço. Bastaria negar qualquer relação que tivéssemos com o
desaparecimento daquela garota que não iria fazer muita falta no mundo, bem talvez
seus pais, mas muitos pais são obrigados a passar por isso. Poderíamos
simplesmente entregar seu corpo, receber toda a culpa, e com uma grande
probabilidade sermos os notáveis responsáveis pela morte dessa garota que tinha
tantos problemas quanto o planeta em si. Alguns minutos se passavam, mas eu não
sentia. As gurias soluçavam vomitavam, Bill chorava como se fosse uma delas,
Todd... Todd estava sem expressão e cavava a cova. Jeanne mantinha seu sorriso,
aquele que eu não consigo esquecer. Não pense que eu tomava a situação com
tranquilidade ou tanta indiferença, talvez eu simplesmente não entendesse a
gravidade do que aquele grupo infeliz estava fazendo e eu estava testemunhando
esse tempo todo. Talvez a imagem não estivesse clara por completo. Eram
00h45min e eu vi. Eu entendi e eu só fiquei calado.
-Nick
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