-Me desculpe eu...
-Chega Dex, você sabe que ela não quer falar com você. Quem
sabe um dia isso vai passar, sei que já faz muito tempo, mas agora esqueça. Vá
pra casa.
-É só que...
Vejo a porta fechando na minha cara enquanto ouço as fortes
pisadas na escada ecoando pela casa. Não era pra ser assim, mas poderia ter
sido pior. Sei do que ela é capaz. Fui voltando pela rua que era iluminada por
milhares de velas. Tem algumas crianças ainda e está ficando tarde. Clichês à
parte. Era uma noite de Halloween e a lua estava cheia e rodeada de nuvens
cinza-escuro. Concluí que deveria parar de pensar nela, seria frouxo de
minha parte. Sofrer demais é para os poetas.
Eu estava a duas quadras de casa, não tinha mais muitas
velas na rua que eu estava passando, era quase um breu total. Foi aí que eu
ouvi, vindo atrás de mim, o som de cascos de cavalo.
Virei-me bruscamente, era Cotard, ela montava um cavalo
negro e carregava uma foice. Cotard, a que não queria falar comigo. Por mais
que eu achasse inusitada sua presença repentina e extravagante, eu sempre soube
que estava mentindo e nunca tinha deixado de pensar em mim. Nosso último
encontro havia sido a dois Halloweens atrás, ela tinha me mostrado muitas
coisas. Hoje ela apareceu mais pálida, como se fosse possível. Ela me olhou
friamente, agarrou a foice com as duas mãos e disse de forma muito Clara: “Hoje
te mostrarei a maior das verdades.”.
As poucas velas acessas se apagaram. Meu peito agora
latejava de uma forma a qual eu nunca havia sentido. Agora eu sabia o motivo.
Havia um buraco em meu peito do diâmetro de uma bola de tênis.
Um tempo depois, acordo
no mesmo local. Ponho a mão no peito e não sinto nenhuma cavidade presente,
porem agora, tudo parece mais escuro e sombrio. Tento me levantar, mas não
tenho força, me sinto fraco. Tudo está diferente, apesar de por fora tudo
parecer igual. Por mais sombrio e escuro que esteja creio que nunca vi as coisas
tão claramente como agora. Ainda deitado no chão, vejo um homem pálido e de
terno preto vindo em minha direção. Sua pele parece podre. Ele me ajuda a
levantar e pergunta se estou bem, respondo que sim, elogio sua fantasia e agradeço a ajuda. Nos despedimos e sigo meu
caminho para casa. Meu corpo está dormente, mas continua se movimentando como
se ele apenas estivesse conectado a rotina. Leve, claro, tomado pelo sentimento
de que nada mais posso fazer, pois o plano já não mais me pertence. Não sinto
falta de nada, também não sinto vento em meu rosto ou a dor de meus
calcanhares. Talvez eu fosse agora capaz de sentir tudo, menos eu mesmo.
- Nick, J. Kley, Kauwba e Mr. T.
¹Síndrome de Cotard, ou delírio de negação. Rara síndrome de fundo psicológico onde o paciente acredita estar morto, não reagindo a estímulos exteriores ou pessoas. Sensação de estar lentamente apodrecendo.