Lucas entra em casa, cabisbaixo. Como se o apartamento não
lhe pertencesse. Vai até o telefone e checa se há alguma mensagem. Ele é um dos
poucos seres humanos que ainda faz isso. Lucas solta sua maleta na mesa e se
deita no sofá. Ele é desconfortável. Uma peça que o incomoda há muito tempo,
mas não é como se seu trabalho estivesse indo bem o suficiente para dar-se ao
luxo de consertar esse problema que parecia miserável comparado aos os outros.
Vamos recomeçar. Ele estava tendo um dia ruim. Não é como se
sua vida inteira houvesse sido um desperdício, o que não significa que se
pudesse ressaltar algo de magnífico.
Após meia hora, Lucas levanta do sofá e vai até a geladeira.
Vazia. Freezer então.
Esse continha duas lasanhas quatro queijos de uma marca tão
conhecida quanto o nome daquela parte de plástico no final do cadarço. Ele
coloca uma deles para esquentar. O micro-ondas mostram que são 21:22 e ele
sente uma pontada no coração. Foi algo passageiro, nada que não fosse normal ou
que nunca houvesse acontecido antes.
A lasanha fica pronta e ele começa a comê-la. Tenta se
lembrar de quando foi a última vez que comeu algo decente.
Não consegue.
O pensamento de que esta miserável noite esta acontecendo
apenas por ser o meio da semana passa pela sua mente, mas no fundo ele sabe que
se fosse sexta ou sábado estaria acontecendo provavelmente a mesma coisa. Ele
termina e vai para o quarto. Liga o computador e se alivia um pouco.
Não ajuda.
Ele deita na cama e demora até conseguir dormir. Até não
pensar em mais nada.
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Era uma Quarta-feira, um típico dia de primavera. Não estava
nem muito frio, nem muito quente. Havia uma brisa gostosa que circulava pelo
ar.
Lucas e Irene entram em casa. Os dois carregam compras e
ajeitam tudo na cozinha. Ela lhe conta como foi seu dia; como sua companheira
Luisa estava indo no seu novo namoro; sobre o cliente Sul-africano que fez sua
visita semestral e como ela estava com vontade de ir jantar na costa no final
de semana, como eles fizeram a dois meses atrás. Lucas sorri. Conta como havia
sido um dia normal na empresa. Os projetos estavam no prazo, mas seu colega
Gustavo havia ficado doente esta semana, então ninguém poderia se dar ao luxo
de deixar algo escapar até que ele voltasse. Ele já havia telefonado e desejado
melhoras.
Juntos preparam o jantar. Algo simples, já que é apenas o
meio da semana.
Assim que eles terminam Irene liga a Tv e se ajeita no sofá
para ver a novela. Ela o chama, mas ele responde que precisa responder alguns
E-mails antes.
Lucas vai para o quarto. Checa os nove novos E-mails que
recebeu. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda faz isso. Vê o horário no
computador. 21:22. Ele sente uma pontada no coração. Estranha. Nada sério,
porém que incomodou. Havia feito seus exames quatro messes atrás, não tinha
muito com o que se preocupar.
Volta para a sala e assiste o resto da novela com
Irene. Ela termina e eles assistem a um filme que estava passando em outro
canal. Aparecem os créditos e os dois vão logo dormir. É mais um dia pela
frente amanha.
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É uma Quarta-feira, está frio. Apesar do clima tranquilo das
outras semanas, esta veio com uma frente fria que, segundo os jornais, iria
durar até Domingo.
Lucas escuta a briga entre o casal que mora no apartamento a
sua frente antes de entrar. “Deve ser a semana para isso”, ele pensa enquanto
entra em casa rapidamente. Fecha a porta e da um longo suspiro, mas o ar parece
gasto. A casa não parece muito feliz em recebê-lo. É exatamente ao entrar que
ele se pergunta o que faz ali. Tudo o lembra dela. As paredes. A mesa de
jantar. As cortinas e até os porta-retratos com fotos em que ela não aparece.
Objetos que ele havia adquirido muito antes de conhecê-la, agora se encontravam
impregnados.
Ele se arrasta lentamente pela parede até sentar no chão.
Sente como se estivesse caindo infinitamente num poço. Um lugar que, se fosse
possível, ia ficando mais e mais escuro a cada metro que adentrava. Ele se
sentia destruído, abalado. Nunca antes tivera uma relação tão sólida ou um
término tão destrutivo. Ele não gostava de pensar que amar é um problema quando
não se é recompensado. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda pensa assim.
Carol fazia muita falta. Haviam se passado apenas três dias, mas eles foram o
suficiente para mostrar que a partida era para sempre.
Seu celular começa a tocar. É André, seu grande amigo, ligando
provavelmente para chama-lo para sair no meio da semana, apenas para coloca-lo
para cima. André é um bom amigo com boas intenções, mas Lucas não se da ao
trabalho de atender. Ele desliga o telefone e deita por completo no chão. O
poço é interminável.
Já esta na hora que ele costuma jantar, mas só de pensar em
mover-se já lhe traz um enjoo. Ele começa a sentir mais frio. Olha para o
relógio para ver quanto tempo se passou dessa atuação adolescente que ele vinha
efetuando. São 21:22. Ele então sente uma pontada no coração. Parece muito pior
do que realmente pode ser. Morrer agora simplesmente iria fazê-lo chegar no
fundo daquele poço.
Ele se levanta, esquece todo o trabalho que tem pendente e
vai direto para a cama. Ter pesadelos de como o dia de amanha será exatamente
igual.
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Era uma Quarta-feira, estava abafado. Era de longe o dia
mais quente da semana, talvez do mês.
Lucas chega em casa suando um pouco. Abre as janelas, mas arrepende-se
e logo as fecha. Senta no sofá e vê seu gato. Melhor, o gato de Maria. Ele
sempre parecia estar à espreita. Como se gravasse tudo que via e ouvia naquela
casa para então entregar um resumo a uma agência de espionagem. Ele não tinha problemas com o gato. Preferia
cachorros, como os que tivera na sua infância, mas sabia que eles requeriam
mais responsabilidade. O gato, naturalmente, sabia se virar e conhecia a casa
até melhor do que ele. Nunca incomodava. Não havia porque criar problema.
No momento em que ele se levanta para ir até a geladeira,
Maria abre a porta. Ela está usando um vestido florido, vermelho com branco,
que comprara dois meses atrás. Maria era uma mulher tão sexy que na sua
presença, era como se o coração e a visão de Lucas não fossem aguentar tanto e
teriam de explodir. Ela mantinha aquele
charme inconfundível independente da roupa, ou da ausência dela. Ela entra e
lhe da um beijo. Pergunta brevemente como foram essas últimas horas, já que
eles haviam almoçado juntos, e fala que trouxe sushi para jantarem. “Nada
melhor nesse calor”. Ele se alegra com essa notícia e juntos se sentam para
comer.
Maria fala sobre os novos materiais que chegaram para sua
loja e ele já programa ajudá-la
com isso na Sexta-feira. O sushi está delicioso. É de um restaurante no
final da rua que tem um preço ótimo e uma qualidade que não se pode contra
argumentar.
Assim que terminam eles vão ao Sofá. Maria lhe da um beijo.
Os hormônios no ar são esquentados pelo abafo que já se encontravam. Lucas
percebe o gato, mais uma vez o encarando. Ele levanta Maria em seus braços e a
leva ao quarto. Apaga as luzes. Ele é um dos poucos seres humanos que ainda faz
isso. Lucas tira sua camiseta e ambos se deitam. A emoção progride, beijos
calorosos por tudo, até que ele sente uma pontada no coração. Obriga-se a
parar. Maria pergunta se está tudo bem. Ele diz que sim. Foi apenas um susto.
Nada com que devesse se preocupar tanto. Vê a luz azul vinda de seu relógio na
estante, que é a única coisa iluminada no quarto. São 21:22. Ele ignora o que
quer que tenha sido e volta para ela. Os dois se entregam ao momento. Mais
quente que aqueles lençóis, apenas o Sol.
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Era Quarta-feira, e estava apenas um pouco nublado. Nada de
chuva, nem sequer muito frio.
Lucas entra em casa um pouco apressado. Abre a porta e corre
para o banheiro. Efetua suas necessidades e então, já mais relaxado, se olha no
espelho. Está com grandes olheiras. Havia trabalhado muito na última semana. Os
prazos haviam se apertado e parece que tudo tinha se programado para ser
entregue no final da semana. Nada impossível, só cansativo. Mais um par de dias
trabalhando e tudo estaria bem. Passa uma água no rosto e vai em direção à
cozinha.
Havia sobras do jantar de ontem que ainda tinham uma cara
muito boa. Ele põe tudo no micro-ondas e, na espera, olha no freezer se ainda
existe um pouco de sorvete para sua sobremesa. Mesmo sozinho, Lucas gostava de
ter uma refeição até que completa. Ele era um dos poucos seres humanos que se
preocupava com isso. Termina sua refeição e parte para o sorvete, até que sua
campainha toca. Ele vai em direção à porta e mesmo já tendo quase certeza de
quem é, pergunta.
“Sou eu, Lucas” diz Alina com uma voz muito triste. “Alina
eu estou muito ocupado trabalhando, você precisa de algo?” “Eu só quero
conversar” “Eu não tenho tempo agora, sério mesmo”, diz ele normalmente. Então
ela começa a chorar. Ao ouvir os soluços, Lucas fita o chão com um sentimento
repreensivo. Ele não deveria abrir a porta, mas não pode deixar alguém para
fora naquela situação, independente de quem seja.
Alina entra e está com o rosto todo vermelho e inchado. Ela
o abraça. Ele fica sem ação. “Calma”. Ele a leva em direção à cozinha e lhe
oferece um copo de água. Ela aceita e enquanto bebe, vai se acalmando. “O que
aconteceu?”. Ele realmente não se interessava, e não havia pergunta a ser
feita. Ela agora passaria um bom tempo explicando algo tão simples como escrever
seu nome em água. Começou o discurso de como ela não poderia mais viver assim,
como ela precisava dele novamente, porque sozinha ela não estava conseguindo lidar
e a vida era uma merda se empilhando por cima da outra. Alina estava tendo mais
uma crise de depressão.
Alina na verdade era uma pessoa que tinha a vida como crise.
Depressão é apenas uma palavra simples demais para descrever tudo que
acontecia. “Alina. Você tem que superar isso, já tivemos essa conversa milhares
e milhares de vezes. Já fazem cinco meses e você ainda assim continua batendo nas
mesmas teclas. Nós não vamos voltar, desculpa. Não funcionamos, já deixamos
isso bem claro. Já te levei a vários lugares para ter ajuda e lá você finge que
quem tem algum problema sou eu. Parece que você gosta de fazer isso só para
voltar. Já deu. Eu preciso trabalhar hoje.” “É que eu te amo!”, interrompe ela
chorando mais do que no começo, parecendo que num daqueles soluços ela morreria.
“Não diga isso. Você sabe que não é verdade, Alina. Chega.”, diz Lucas
calmamente querendo encerrar a cena que iniciava. “Você não...”.
Então seu celular começa a tocar. É seu chefe e ele
prometera ficar disponível a qualquer hora na semana por causa dos prazos apertados.
Era obrigado a atender. Olha para ela tentando convencer “É urgente, já vou
desligar”, e vai para a sala.
“Oi Mathias. Eu estou num péssimo momento agora, retorno a
ligação em dez minutos e então posso resolver o que for. Se forem as tabelas,
já vai me mandando por E-mail”, e desliga. Curto, porém educado.
Ele volta para a cozinha e vê Alina de cabeça para baixo. Aproxima-se
e ela avança para lhe dar um beijo. Ele recua e grita para que ela se afaste.
Ela avança chorando e então Lucas sente uma pontada no coração.
É algo sério.
Ela recua.
Ele vê sua faca de cozinha cravada perfeitamente entre as
costelas. Sua boca se preenche com o gosto de sangue. Ele a vê chorando e
gritando, mas a cada segundo sente que o volume está mais baixo. Ele vai para o
chão. Soluça e cospe sangue. Faz questão de sujar as próprias mãos. Os gritos
de Alina, por mais que irrelevantes aos ouvidos de Lucas, são capazes de
acordar o condomínio inteiro. Ele sente frio e uma neblina invade sua visão.
Tudo vai ficando distante.
As paredes.
A vida.
Seu corpo cada vez mais e mais distante...
Eram 21:23 de uma Quarta-feira nublada em que, agora,
chovia.
-Nick.